Um dos ensaios mais conhecidos e citados de Montaigne desde sempre, e não apenas entre nós, é o famoso 'Des cannibales', ensaio XXX do Livro I, escrito provavelmente entre 1578-1579.
Nele, Montaigne discorre sobre os canibais do Brasil, os temidos Tupinambás. Segundo seu relato, o que Montaigne nos conta sobre os Tupinambás foi o que ouviu de um empregado seu, que teria participado de uma expedição à então chamada França Antártica, malograda tentativa francesa de colonização no Brasil entre os anos de 1555 e 1567. E ainda, depois, conforme relata, conversando pessoalmente com três deles em Rouen, cidade do noroeste francês, por ocasião de uma visita do Rei Charles IX, ao que tudo indica, em fins de 1562.
Neste ensaio tornado famoso, Montaigne defende uma visão relativa do que, segundo ele, foi muito rapidamente chamado de barbárie pelos europeus, ao contato com povos cujos costumes e motivações eram, à época, absolutamente desconhecidos.
A visão moderna, atual - e ainda necessária - de Montaigne, frente ao que de nós difere e ao que nos é estranho:
"Mas, voltando a meu assunto, e segundo o que me contaram, penso que nada há de bárbaro ou selvagem nesse povo, senão que cada qual considera bárbaro aquilo que não faz parte de seus costumes. Pois, é fato que não temos outro critério para a verdade e a razão que os exemplos que observamos e as opiniões e costumes do país em que vivemos. Neste, pensamos, a religião é perfeita, é perfeito o governo, os costumes são perfeitos e incomparáveis a qualquer outro. Esse povo é selvagem da mesma maneira que chamamos de selvagens os frutos que a natureza produz por ela mesma; quando aqueles que alteramos por nossa técnica e desviamos de seu comportamento comum é que na verdade deveríamos chamar de selvagens. Os primeiros guardam, vivas e vigorosas, as propriedades e virtudes, que são úteis e naturais, que nos outros modificamos, adaptando-os para o prazer de nosso gosto corrompido."
'Les cannibales' de Montaigne por Salvador Dali
Em 1947, Salvador Dali é convidado a ilustrar a obra de Montaigne para uma edição em inglês para a famosa editora Doubleday. O resultado é uma edição limitada a 1000 exemplares assinada pelo artista. Dali, fervoroso admirador de Montaigne, lega-nos um trabalho magnífico que vale ser apreciado aqui: https://www.brainpickings.org/2013/08/12/salvador-dali-illustrates-montaigne/
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