As primeiras traduções brasileiras do texto de Montaigne datam do início do século XX. São primeiramente traduções apenas de excertos ou de textos selecionados. Talvez como não poderia deixar de ser, é o ensaio XXX do Livro I, o famosso "Des Cannibales", que vai inaugurar a trajetória de Montaigne entre nós.
Primeiro em pequenos excertos, em uma publicação de 1923 da Academia Brasileira de Letras, e, mais tarde, em 1940, é publicada a primeira tradução integral por Câmara Cascudo.
O primeiro ensaio traduzido integralmente ao português do Brasil
Sob o titulo de ‘Dos canibais’ será publicada em 1940 a primeira tradução integral de um ensaio de Montaigne no Brasil. O tradutor será ninguém menos do que o historiador, antropólogo e jornalista Luís da Câmara Cascudo.
O texto em português recebeu uma anotação bastante rica e erudita, com notas exaustivas e um longo prefácio intitulado 'Montaigne e o índio brasileiro' que antecede o ensaio. Câmara Cascudo não dá a referência da edição francesa utilizada para sua tradução, que vai ser publicada na revista 'Cadernos da Hora Presente', editada pelo poeta e intelectual Tasso da Silveira.
Ele relata em seu prefácio (ver abaixo) que a iniciativa da tradução partira de Ronald de Carvalho (1893-1935), poeta e político carioca, que quis comemorar, em 1933, o quarto centenário do nascimento de Montaigne com uma série de estudos brasileiros.
O "dia de Montaigne" nunca aconteceu, mas Câmara Cascudo retomou sua tradução alguns anos depois, em homenagem ao amigo prematuramente morto em um acidente de carro aos 41 anos. É a Ronald de Carvalho que Câmara Cascudo dedica seu estudo e sua tradução.
A primeiríssima tradução no Brasil:
A primeira tradução de Montaigne ao português brasileiro tem uma história no mínimo curiosa. Por volta de 1578-1579, data provável da composição de seu hoje famoso ensaio 'Des cannibales', Montaigne acrescenta a seu texto, para reforçar sua argumentação, a tradução em francês de um trecho de uma canção indígena em tupi:
"Couleuvre arrête-toi; arrête-toi, couleuvre, afin que ma sœur prenne ton image comme modèle pour la forme et la façon d’un riche cordon que je donnerai à mon amie; et qu’ainsi à tout jamais ta beauté et ta prestance soient préférées à celles de tous les autres serpents".
Em 1923, essas estrofes são traduzidas ao português por Álvaro Pinto, para uma publicação da Academia Brasileira de Letras de extenso título: Primeiras Letras: Cantos de Anchieta - O diálogo de João de Léry - Trovas Indígenas:
“Cobra, fica parada; fica parada, cobra, para que minha irmã copie tua imagem como modelo para a forma e o feitio de um rico cordão que darei à minha amada; e que assim tua beleza e teu porte sejam para sempre os preferidos entre todas as outras serpentes”.
Não deixa de ser digno de nota, e mesmo um tanto pitoresco, o fato de que a primeira tradução conhecida de um excerto dos Ensaios de Montaigne ao português brasileiro seja, na verdade, uma tradução de outra tradução feita no século XVI de alguns versos em tupi. ‘Dos canibais’ é um dos ensaios mais conhecidos de Montaigne e traz em seu lastro todo um universo de crítica, traduções, adaptações, encenações, análises e estudos. Emblematicamente, será este ensaio que inaugurará o percurso de Montaigne em português brasileiro.
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